14 de mar. de 2012

GARAUDY - Vidas que levam apenas à morte



                
                        por Pedro Luso de Carvalho


        O filósofo francês, ex-integrante do Partido Comunista da França, Roger Garaudy, autor de mais de 50 livros, uma grande parte dessa produção sobre a filosofia política e marxismo, deu como título de uma de suas obras Est enconre temps de vivre ("Ainda é tempo de viver"), esta, escrita em cooperação com Pierre-Luc Seguillon (Paris: Editions Stock, 1980); no Brasil, o livro foi publicado em 1981, com tradução de Aulyde Soares Rodrigues, pela Editora Nova Fronteira.

        O título da obra, Ainda é tempo de viver, não antecipa, como o leitor poderia pensar, tão-somente uma mensagem de esperança e de otimismo, mas, antes de tudo, uma forte crítica sobre ausência da fé pelos povos - não a fé pregada pelas igrejas cristãs. E, essa é mesmo a intenção de Garaudy, que no início do livro pergunta: “Existe um futuro para o homem?” E, após, convida o leitor para, com ele, ler um pequeno artigo de jornal, sobre um homem que morreu dilacerado por um trem do metrô, logo acrescentando: “Um homem livre, entre homens livres, foi dilacerado por essa liberdade”.

        Mais adiante, Garaudy diz o motivo que o levou a contar essa história: “Porque ela nos conduz ao problema central. Não apenas ao problema de viver, mas ao problema central do nosso tempo: as vidas sem objetivo. Vidas que levam apenas à morte”. Após essa afirmação, indaga o que se deve fazer para mudar isso; e afirma que pelo menos quinze mil suicídios são cometidos na França, por ano – ‘quase tanto como o número de mortes nas estradas’ -; e que as tentativas de suicídios ficam em torno de cem mil – ‘muito menos do que o número de inválidos por desastres de carro ou de moto’ -; e que, por alcoolismo, morrem quarenta mil pessoas, bem menos que as mortes pelo fumo, que atingem vinte mil; e menciona que morrem menos pelas drogas – ‘Falo das drogas que não o álcool, o fumo ou o automóvel’.

        É evidente que esses dados estatísticos não valem para os dias atuais, para este início do ano 2009, bem distante desses levantamentos mencionados por Garaudy, na França de 1980. E, se esses números de suicídios e das suas tentativas de suicídio, das mortes nas estradas por acidentes de carro e das mortes pelo vício do álcool e do fumo são demasiadamente elevados, o que poderíamos dizer sobre uma estatística francesa atualizada, cujos números devem ter aumentado em razão da taxa populacional, aumento astronômico do número de veículos rodando pelas ruas e estradas, além do aumento do número de alcoólatras, fumantes, etc. O mesmo vale para o Brasil e para as principais metrópoles do mundo.

        Garaudy pergunta, depois de dizer que a metade das neuroses é provocada pelo ruído, que oitenta por cento por câncer ambiental, e, ainda, as doenças cardíacas, em conseqüência da vida agitada que se leva. Depois se pergunta se tudo isso faz sentido. E mais: ‘Nossa vida quotidiana significa alguma coisa? Quem é o chefe da orquestra invisível que rege essa cacofonia?” A resposta a essas perguntas de Garaudy, é ele mesmo quem as dá: “O crescimento. Isto é, o domínio de toda a sociedade por este modelo de organização de empresa, exatamente como foi concebido na primeira metade do século XX, denunciada por Chaplin em Tempos modernos. Uma empresa cuja única finalidade é produzir seja lá o que for e fabricar o mais possível”.

        Segue parte da crítica ao crescimento, por Garaudy: “Minha crítica ao crescimento não tem fundo 'moral', nem mesmo ‘ecológico; é uma crítica feita em nome de um outro modo de agir no mundo. A tese central do meu ‘Apelo aos vivos’ é a de que o problema do crescimento não é apenas um problema econômico e político, mas acima de tudo um problema de fé, uma vez que o crescimento é o deus oculto de nossas sociedades e que a publicidade é sua liturgia demente. Toda a minha argumentação baseia-se neste princípio: ‘podemos viver de outro modo’. Saber que podemos nos livrar desse mergulho suicida do atual modelo de crescimento é um ato de fé”.

        Garaudy fala mais dessa fé, para ele indispensável para que se possa viver melhor no mundo conturbado de hoje, com todo o tipo de violência, como as que foram por ele mencionadas, e que, por certo, deve fazer menção também ao morticínio que nos dias atuais ocorre na Faixa de Gaza, entre judeus e palestinos, com vítimas inocentes, como crianças, mulheres e velhos - além dos combatentes -, que não tiveram nenhuma ingerência nas decisões políticas tomadas pelos líderes responsáveis por essa barbárie:

         “Em uma palavra, a fé é a alma de toda a política que está à altura do homem, de toda a política sem dogmatismo e sem dominação, desde que cada um aja com a consciência de ser pessoalmente responsável pelo destino de todos os outros”. E aduz o filósofo: “E essa fé pode ser a de um hindu, de um judeu, de um cristão, de um mulçumano ou de um ateu”.

         No capítulo “Do crescimento cego à fé no homem”, o primeiro de seu livro Ainda é tempo de viver, já perto do final do texto, escreve Garaudy: “Toda a revolução profunda nasce da conjunção da miséria e da revolta com a esperança e a fé. A grande fraqueza das igrejas cristãs é o seu distanciamento dos movimentos populares e a degradação da fé transformada em religião. Dessa dupla mutilação, a revolução de um lado, e as Igrejas de outro, decorre nossa incapacidade atual de operar as mutações necessárias à nossa sobrevivência e à nossa vida”. 


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