- PEDRO LUSO DE CARVALHO
GEIR CAMPOS – Geir Nuffer Campos – nasceu a 28 de fevereiro de 1924, em São
José do Calçado, ES, e morreu a 8 de maio de 1999, em Niterói, RJ. Foi poeta, escritor, tradutor, jornalista e
professor universitário da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, casado com Alcinda Lima Souto, que passou a chamar-se Alcinda
Campos, pai de dois filhos: Carlos Augusto Campos e Mauro Campos.
Poeta, estreou em 1950,
com Rosa dos Rumos, após ter
publicado em jornais e revistas, especialmente no Diário Carioca, vários poemas, contos e traduções. Editor, fundou
em 1951, com Thiago de Mello, as Edições
Hipocampo, que chegaram a publicar vinte volumes de poesia e prosa, dos
autores mais representativos da literatura brasileira e também de alguns
estreantes como Paulo Mendes Campos e outros; nessa coleção apareceu, em
janeiro de 1952, Arquipélago, o seu
segundo livro de versos.
Tradutor, começou a
publicar em 1953, com uma coletânea de Poemas
de Rainer Maria Rilke. Contista, lançou em 1960 a primeira edição de O Vestíbulo. Radialista, em agosto de
1954 começou a produzir e apresentar, na Rádio
Ministério de Educação, um programa semanal de meia hora, "Poesia
Viva"; para essa mesma emissora produziu, durante muitos anos, diversos
programas literários. Jornalista, colaborou e assinou colunas em diversos
Jornais, entre eles o Diário de Notícias
e o Diário Carioca.
É o autor da letra do hino de Brasília, cuja música é de
autoria da professora Neusa Pinho França Almeida. Foi membro fundador do
Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro e da Associação Brasileira de
Tradutores, da qual foi presidente, lutando pela conscientização dos que
traduzem profissionalmente no Brasil e pela regulamentação desta profissão.
Traduziu várias obras de
Rilke, Brecht, Goethe, Shakespeare, Sófocles, Whitman e outros, sendo merecedor
de um ensaio da professora Maria Thereza Coelho Ceotto da Universidade Federal
do Espírito Santo. Destacou-se enquanto ativista cultural de grande influência
e presença na literatura brasileira, tornando-se o grande representante
capixaba da "Geração de 45". Prefácio (com Fernando Jorge) a Poemas e Cartas a um Jovem Poeta, de
Rilke. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d.
Segue o conto de Geir Campos, intitulado A conversa (in Contos e vírgula: contos / Campos, Geir. Rio de Janeiro –
Record, 1982, p. 78-82):
[ESPAÇO DO CONTO]
A CONVERSA
( Geir Campos )
Tilintar de talheres e de pratos, copos, terrinas. Vozes não: como se
nada houvesse digno de ser dito. Espécie de silêncio musical, cristal tocado de
minissons insignificativos. Olhares vão da mesa aos vãos da porta e da janela.
Diminui aos poucos o ralo vapor que sobe dos pratos, das terrinas, com os
cheiros de cada comida por comer. Espécie de silêncio mastigado. Macarrão não
cortado pelos dentes, alguns postiços. Chega do céu o ronco de um avião: cada
vez mais perto, cada vez mais longe, passou. Espécie de silêncio postiço. De
repente:
– E ela?
– Quem?
– Engraçadinho!
– Ora, quem poderia ser?
Tilintar de talheres e pratos, copos, terrinas. Espécie de silêncio,
clivado de minissons aparentemente sem sentido. Chega de fora um ruflar de
asas: galinhas pousando em cima do muro. Espécie de silêncio murado.
De repente:
– E então?
– O quê?
– Não sei falar?
– O quê?
– Não tenha medo...
– De quê?
– De que poderia ser?
Tilintar de talheres e de pratos, copos terrinas. Reintegra-se o
silêncio, embaralhando minissons insignificantes. Chegam de fora vozes de
crianças no retorno da escola. Sem ousar entrar, a alegria das crianças repica
nos vazios das janelas feito uma bola. Espécie de silêncio embolado. Perdem-se
ao longe as vozes das crianças. Dentro:
– Não precisa ficar assim!
– Assim como?
– Assim tão...
– Como?
– Como poderia ser?
Tilintar de talheres e de pratos, copos, terrinas. Chega na cozinha a
empregada: colhe talheres, copos, pratos, terrinas; deixa colherinhas,
pratinhos, xicrinhas. Deixa o silenciozinho, sobremesário. Da cozinha o anúncio
da água na pia, a cair da torneira e a grugulhar no ralo. Espécie de silêncio
lavado. Mais:
– Pensa que eu não vi?
– O quê?
– Você bem sabe!
– De quê?
– Eu estava lá!
– Onde?
– Onde poderia ser?
Tilintar de colherinhas e xicrinhas. Café quente assoprado nas beiras da
louça. Olhares entornados das beiras dos olhos. Espécie de silêncio entornado.
Chega do portão a voz do carteiro, chega também a voz da empregada. Chegaram
cartas, que a empregada vem trazer. Cartas na mesa:
– Não vai abrir?
– Hum?
– A cartinha...
– Hum...
– É de mulher?
– Hum?
– A letrinha diz tudo.
– Hum?
Chega da escola o menino. Sorrisos abrem-se. Festeja-se a trégua.
Silêncio em pé de guerra. O menino sai, saltitante inocência. Guerra de novo em
pé:
– Sonso!
– Quem?
– Ora, quem...
– O menino?
– O menino, hein?
Uma espécie de colcha de silêncio esperando na cama, um lençol de
silêncio. Enchendo o cômodo, um silêncio incômodo. Do seu canto invisível, o
poeta Rilke lembra:
Quando os casais, a raiva
sufocando,
têm que dormir na mesma
cama... É quando
a solidão com os rios vai
passando.
– Não vai escovar os dentes?
Dentes apertados, os de cima contra os de baixo. Ruminadas vontades
difíceis de dizer. Espécie de silêncio escovado. Vontades contra vontades:
– Apague as luz!
Vontade de acender todas as luzes. Urgência de uma grande claridade: no
tempo, no lugar. Lugar difícil na cama de dois. Luz apagada. Vontade apagada.
Corpo doído entre o colchão e a colcha. Toque de cotovelos, de joelhos. Pedidos
de joelhos. Entre o colchão e a colcha. Entre a colcha e a coxa. Entre coxa e
coxa:
– A hora é de dormir.
– Já?
– Já.
– Então vamos dormir.
– Mas antes precisamos conversar...
– Conversar o quê?
– O que poderia ser?
Toques de mãos, antebraços, braços. Toques de pés, pernas, coxas. Veias
pulsando em silêncio. Pulsões:
– Mais para lá!
– Para onde?
– Mais para cá!
– Assim?
– Assim.
– Mais?
– Está bom.
– Está bom para você?
– E para você?
Cadência. Madeirame da cama rangendo. Chega do quarto ao lado a tosse do
menino:
– Será que está acordado?
– Numa hora destas?
No quarto ao lado o ressonar do menino, fundo no sono. Movimentos
pausados. Silêncio pontilhado de cautelas. Vaivém acelerado: o salto, o voo, o
pouso. No escuro a calma:
– Que bom que a gente se entende!
– É conversando que a gente se entende.
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REFERÊNCIAS:
CAMPOS, Geir. Conto e vírgula. Rio de Janeiro: Record,
1982, p. 78-82.
<http://pt.wikipedia.org/wiki/GeirCampos> Acesso
em: 21.06.2013.
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