3 de dez. de 2010

EDGAR ALLAN POE - Contista e Poeta

Edgar Allan Poe
             

           

                 por  Pedro Luso de Carvalho

       
        
       A Editora Civilização Brasileira editou no ano de 1959 a Antologia de Contos de Edgar Allan Poe, traduzido por Brenno Silveira. Não tenho conhecimento de outra edição dessa obra, mas, por sua importância, acredito que houve novas publicações por editoras brasileiras. Fiz a leitura dessa obra na Biblioteca Pública de Porto Alegre, em 1970, quando cursava a Universidade; encontrei-a num “sebo”, mais tarde - cerca de 15 anos; de lá pra cá fiz duas releituras, e, como acontece quando se lê um bom livro, tirei mais proveito com essa última leitura. Não tenho dúvida, pois, de que se trata de uma obra clássica da literatura, do gênero conto.

        O autor chama nossa atenção pela sua personalidade e pelo estilo de vida que levou até a sua morte, ocorrida no dia 7 de outubro de 1849, em Baltimore, Maryland, EUA. Por esse motivo, além de seus livros, pretendo falar um pouco da vida desse mestre do conto e de sua poesia. Edgar Allan Poe nasceu em 1809, na cidade de Boston; seu pai, um ator que teve uma vida obscura, morreu logo após o seu nascimento; sua mãe, uma atriz inglesa, morreu em extrema pobreza no ano de 1811, quando Poe tinha apenas dois anos de idade. Órfão, foi adotado por Elizabth e David Allan Poe, casal que vivia na cidade de Richmond; seu pai adotivo, comerciante abastado, deu-lhe o nome de família – Allan Poe.

        A nova família mudou-se para a Inglaterra em 1815; Poe passou a estudar na escola particular Stoke-Newington, no subúrbio de Londres; de volta aos Estados Unidos, em 1820 passou a estudar em Richmond; foi admitido na aristocrática Universidade de Virgínia, no ano de em 1826 - fundada por Thomas Jefferson poucos anos antes do seu ingresso. Poe nunca se enquadrou com o modo de vida da universidade, esta habituada à férrea disciplina; ele, ao contrário, pessoa inquieta, tinha conduta irregular segundo a cultura desse grupo social. A bebida, o jogo, as maneiras pouco convencionais logo repercutiu no seio das famílias aristocráticas, que passaram a exigir dos professores a sua expulsão, o que acabou se concretizando.

        Em atrito com sua família, por todos os motivos que o levaram à sua expulsão da universidade, Poe deixou Richmond e retornou a Boston, onde nascera. Aí publicou Tamerlane e Outros Poemas, em 1827 - o seu primeiro livro de poemas. Com esse livro não se poderia imaginar que, mais tarde, Poe se tornaria um dos maiores escritores de todos os tempos. Provavelmente, por não ter como se manter, alistou-se no exército, do qual foi expulso depois de dois anos. Mais tarde, com ajuda de John Allan ingressou na Academia Militar de West Point, onde permaneceu até ser expulso um ano mais tarde.

        Publicou um segundo volume de versos, pouco antes de ingressar em West Point, com uma revisão de Tamerlane e Al Aaraaf, que, em 1831 foi reeditado – os versos Israfele e Para Helena denunciavam o poeta que viria ser. Em 1833 ganhou um prêmio literário instituído pelo Saturday Visitor, com o conto Um manuscrito encontrado numa garrafa; nessa época, que contava com vinte e quatro anos de idade, Poe vivia em extrema pobreza. No ano de 1847, teve algumas de suas histórias traduzidas para o francês; Charles Baudelaire ao lê-las, assim se exprimiu: “experimentara estranha emoção”. Baudelaire aguardava as revistas norte-americanas que chegavam com a publicação dos contos e poesias de Poe.

        E, foi justamente Charles Baudelaire o primeiro tradutor de contos e ensaios de Poe, levando-os a ser conhecidos pela elite de literatos de Paris, que passaram a admirar a sua obra. Mallarmé, um dos expoentes do Simbolismo, continuou a fazer a divulgação das histórias e poesias de Poe, que se viu consagrado nos dois anos que antecederam sua morte. Essa consagração deveu-se não apenas ao conto, mas também à excelência de sua poesia, cujos temas ficavam circunscritos à solidão, a inutilidade do esforço, ao remorso por sua vida miserável. Seus versos falam apenas de mundos interiores, sem qualquer menção ao mundo exterior. O poema O Corvo – seu poema imortal – só ficou acabado depois de ter sido modificado ao longo de dez anos. Poe não transigia quanto à qualidade literária de sua obra – que era a moldura de sua extraordinária imaginação.

        Nos seus contos e novelas, as mulheres apareciam como seus principais personagens; estas, não escapavam à idéia da morte, como sendo o seu destino. Como disse Brenno Silveira no seu prefácio da Antologia de Contos: “As terrificantes histórias que contou criaram mundos de horror, putrefatos, por onde passava sempre um sopro de morte e um odor de coisas que se decompõem – que apodrecem. Mundo em que homens e mulheres sem esperança sofrem a inelutável fatalidade, o inexorável estigma dos terríveis destinos”. Os contos mais conhecidos de Poe são: A Máscara da Morte Vermelha, O Poço e o Pêndulo, O Gato Preto, O Palácio Assombrado, O Crime da Rua Morgue, A Queda da Casa de Usher, enquanto os seus poemas mais conhecidos são: O Corvo, Tarmelão, Israfel, Para Helena, Ulalume, Os sinos, Al Aaraaf e Annabel Lee. Os temas dos seus contos e das suas novelas curtas estão sempre ligados a coisas sobrenaturais – fantasmas, espectros, duendes, pássaros agourentos. O certo é que esse mestre do conto deixou em suas histórias a marca da sua genialidade.

        Para encerrar, ficaremos com o poema que imortalizou Vírgínia Clemm, prima-irmã de Poe, com que se casou quando ela tinha apenas treze anos de idade, e que, juntos, passaram por grandes privações, fome inclusive. Virgínia, que faleceu de tuberculose em conseqüência da pobreza em que vivia o casal, inspirou Poe a escrever O Corvo, o seu comovente e imortal poema (parte final):


                              O CORVO


"Profeta"!, exclamo. "Ó ser do mal! Profeta sempre, ave infernal!
Pelo alto céu, por esse Deus que adoram todos os mortais,
fala se esta alma sob o guante atroz da dor, no Éden distante,
verá a deusa fulgurante a quem nos céus chamam Leonora,
- essa, mais bela do que a aurora, a quem nos céus chamam Leonora!"
E o Corvo disse: "Nunca mais!"


"Seja isso a nossa despedida!", ergo-me e grito, alma incendiada,
"Volta de novo à tempestade, aos negros antros infernais!
Nem leve pluma de ti reste aqui, que tal mentira ateste!
Deixa-me só neste ermo agreste! Alça teu vôo dessa porta!
Retira a garra que me corta o peito e vai-te dessa porta!"
E o Corvo disse: "Nunca mais!"


E lá ficou! Hirto, sombrio, ainda hoje o vejo, horas a fio,
sobre o alvo busto de Minerva, inerte, sempre em meus umbrais.
No seu olhar medonho e enorme o anjo do mal, em sonhos, dorme,
e a luz da lâmpada, disforme, atira ao chão a sua sombra.
Nela, que ondula sobre a alfombra, está minha alma; e, presa à sombra,
não há de erguer-se, ai! nunca mais!



REFERÊNCIAS:
POE, Edgar Allan. Antologia de Contos. Trad. Brenno Silveira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1959.
POE, Edgar Allan. Dictionnaire Encyclopédique Pour Tous. 24ª tirage. Paris: Petit Larousse, 1966.
POE, Edgar Allan. Poemas e Ensaios. Trad. Oscar Mendes e Milton Amado. São Paulo: Editora Globo, 1999.