29 de out. de 2012

[Crítica] MONTEIRO LOBATO & Horacio Quiroga


por Pedro Luso de Carvalho


HORACIO QUIROGA nasceu em Salto, Uruguai, em 1878. Por muitos anos, residiu na Argentina. Faleceu em Buenos Aires, em 1937. Escreveu, além de romances, cerca de duzentos contos, que foram publicados em revistas, no período que compreende os anos de 1907 a 1921. Foi o responsável pela modernização do gênero literário de narrativa curta castelhana (conto), cujo modelo retórico se impôs.
       
O crítico literário Pablo Rocca faz a seguinte observação no seu posfácio para A Galinha Degolada, sobre o modelo retórico de Quiroga: “Trata-se do mesmo modelo que, em inglês, foi pensado e praticado por seus mestres Edgar Allan Poe ou Bret Harte: aquele que elimina os elementos acessórios do relato, sopesando o efeito e a potência expressiva de cada uma das palavras em espaço tão avaro (...)”.
      
 O livro A Galinha Degolada, de Horacio Quiroga,  que é composto do conto do mesmo nome, de Travesseiro de penas, entre outros contos, seguido de Heroísmos  (Biografias exemplares), foi publicado pela L&PM POCKET, reimpressão em agosto de 2008 (1ª edição em outubro de 2002), com tradução de Sergio Faraco.

        Sobre o importante escritor uruguaio,  Monteiro Lobato (1882–1948) escreveu um artigo para a Revista do Brasil, nº 97, em Janeiro de 1924, pág. 60, no qual dá realce à excelente qualidade dos contos de Horacio Quiroga e lamenta que o Brasil só dê importância à literatura vinda da França.

 Segue o artigo de Monteiro Lobato intitulado A história de um amor turbio (In Monteiro Lobato. Críticas e Outras Notas. São Paulo: Brasiliense, 1965, p. 114-115):


[ESPAÇO DA CRÍTICA]


A HISTÓRIA DE UM AMOR TURBIO
(Monteiro Lobato)



Quiroga habituou-nos a ser lido em contos, dos mais palpitantes de vida, dos mais arejados que conhecemos. Sabe como ninguém apanhar ao vivo um flagrante e sabe compô-lo  e emoldurá-lo à maneira dos grandes mestres modernos, Kipling, Hansum à frente. Mas A história de um amor turbio muda de feição. Não faz conto, faz novela, e novela de cidade. Percebe-se que o autor foi parte na história – história sem enredo, história de todos os dias, história de todos os homens. Mas com que penetração desenvolve seu tema e com que simplicidade de meio pinta as almas indecisas, pouco marcadas, sem vincos violentos que denunciem tragédia! Não desfecha em tragédia a novela. É a simples história de um pequeno amor que nasce, fait trois petits tours e morre.

Justamente por isso, mais nos encanta o autor, porque é na pintura dos quadros de poucos contrastes que mais árduo se faz o trabalho do artista.  Tudo são ali tons leves, e esfumaturas, e horizontes psicológicos – E Quiroga vence essas dificuldades com extrema galhardia.

Que pena para o Brasil o mundo ser a França e só a França! Como nos vicia da vesguice uniliteralidade essa tolice visceral que nos deixa sem olhos para ver e admirar grandes obras tão superiores à quinquilharia literária que Paris nos impinge e que nós macacalmente sorvemos, sem o menor discernimento crítico... Não conhecemos Quiroga no Brasil por uma razão apenas: não nos veio de Paris, não se chama Horace Quirot...


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(Revista do Brasil – nº 97 – janeiro de 1924 pág. 60)
  

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