26 de dez. de 2010

EÇA DE QUEIRÓS - Sátira e Crítica à Elite

Eça de Queirós

               
              
              por  Pedro Luso de Carvalho

       

        O início da carreira literária de Eça de Queirós, que não foi muito diferente da carreira de muitos escritores, deu-se com obras inferiores às que passaria a produzir no futuro. Sua produção literária constituía-se em peças românticas e artigos para a Gazeta de Portugal, que foram reunidas postumamente no livro Prosas Bárbaras. Mais tarde, o escritor junta-se a seu amigo Ramalho Ortigão, para com ele produzir O Mistério da Estrada de Sintra, gênero romance policial, e, em seguida, As Farpas. Com o Crime do Padre Amaro, que foi escrito depois desse período, Eça de Queirós inicia a fase realmente importante de sua carreira literária, que o tornaria conhecido como o escritor que introduziu o realismo em Portugal, escola literária da qual foi a sua principal figura da língua portuguesa, fato que o levaria a liderar esse movimento tão importante para a literatura em seu país (grupo “Os Vencidos da Vida”).

        Embora Portugal tenha produzido importantes romancistas ao longo de sua história, modernamente representada por alguns nomes igualmente importantes, dentre eles José Saramago, o fato é que Eça de Queirós continua sendo o nome mais representativo da literatura portuguesa. A consagração definitiva de Eça deu-se com a publicação de O Primo Basílio, que projetou o seu nome para fora das fronteiras de Portugal. Nesse romance, escrito em 1878, Eça ataca as falsas bases da moralidade de Lisboa. Claramente influenciado pela literatura francesa, Flaubert, em especial, o escritor português cria uma obra perene, com sua primorosa construção no gênero romance.

        A literatura de Portugal tem, pois, em Eça de Queirós, o seu mais lídimo representante, como ocorre no Brasil com Machado de Assis. Ambos, Eça e Machado, foram e, acho, serão sempre, em seus países, a referência na difícil e nobre arte do romance, da novela e do conto. Eça de Queirós, como bem situa Álvaro Lins, “Alia às qualidades de imaginação e poder criador um estilo de rara beleza, flexibilidade, graça, elegância. A sua prosa determinou verdadeira revolução na língua portuguesa. Foi também admirável jornalista e ensaísta. Dispunha de um poder de ironia e de houmour que muito contribuiu para o renome de sua obra”.

        A sensibilidade de Eça para a produção da arte literária teve como contribuição experiências pelas quais passou, a começar pelos seus estudos acadêmicos, com a sua diplomação no curso de Direito pela Universidade de Coimbra, embora tenha militado por pouco tempo na advocacia, por sentir que essa não era a sua vocação. De qualquer forma, os estudos para bacharelar-se nessa conceituada Universidade deram ao escritor maior solidez à sua bagagem cultural. Mas as experiências de vida do escritor não ficariam apenas nesse patamar, pois a sua carreira diplomática viria contribuir para que se alargassem os seus conhecimentos, com o contato com outros povos, na condição de cônsul em Havana, Newcastle, Bristol e Paris. Distante de Portugal, pôde compreender melhor a sociedade portuguesa, que passaria a constituir-se em alvo freqüente de suas críticas.

        Sobre a pessoa do escritor, Fialho de Almeida (1857-1911) traça um interessante perfil: “Eça de Queirós foi sempre uma organização debilitada, um poste d’osso suspendendo fios elétricos de nervos, este predomínio neurótico explicando as sensibilidades d’esteta que lhe fizeram na vida literária o temperamento intenso de humorista, assim como na material, em coisas de mesa, vestuário, amor, arte e conforto, um desses tipos d’aristo, cuja degenerescência recorda, pelas predileções sensuais, cepticismo delicado, inconstância do diletantismo, raridades frustes d’elegância, o que trazem as crônicas sobre certos príncipes perversos da Renascença”.

        O escritor brasileiro José Veríssimo (1857-1916), disse que viu Eça de Queirós pela primeira vez, acompanhado de seu amigo Ramalho Ortigão, no salão de teatro da Trindade, em Lisboa, onde se realizava um sarau literário: “Notei que a entrada de Eça despertara a atenção geral, e as mulheres, que eram numerosas e da alta roda lisboeta, o examinavam com uma curiosidade especial. Decididamente o autor de O Primo Basílio excitava-lhes aquele sentimento, bem feminino”. Completando seu texto sobre Eça, diz Verissimo: “Vi-o depois muitas vezes, em Lisboa mesmo, e, nove anos mais tarde, em Paris; já então mais magro, mais ossudo, como que mais cansado, conservando, porém, a despeito de uma ligeira curvatura, o aprumo da fronte inteligente e a fixidez penetrante do seu olhar, que às vezes algum pensamento íntimo amortecia”. Em O Primo Basílio, Eça cria um dos personagens mais expressivos da literatura portuguesa, o Conselheiro Acácio.

        Na obra de Eça de Queirós, após a sua fase inicial, os seus romances de maior expressão são: O Crime do Padre Amaro, O Primo Basílio, e Os Maias, enquanto que numa terceira fase, quando o escritor já não mais participava do movimento do grupo de escritores realistas de Portugal, e já tendo a aceitação de sua obra pela crítica e pelo público, homem maduro, com uma estilística definida e de inquestionável qualidade, escreveu três romances importantes, consideradas as obras mais fantasistas de todas; pela ordem de publicação: O Mandarim, A Relíquia e A Cidade e as Serras; este último, foi publicado em 1901. Além dessas obras, mencione-se ainda, A Ilustre Casa dos Ramires e A Capital, que foram publicadas em 1900 e 1925, respectivamente.

        José Maria Eça de Queirós nasceu em Póvoa do Varzim, a 25 de novembro de 1845. Era filho ilegítimo de uma mãe da baixa aristocracia e de um Juiz. Seus pais somente se casaram depois que o menino completou 4 anos de idade. Seu reconhecimento como filho do casal deu-se quando ele tinha cerca de 40 anos. Nas suas obras, o escritor deixa aparecer esse sentimento de criança abandonada; tanto que raramente seus pais são nelas retratados. Na Universidade de Coimbra, tornou-se conhecido como o "Zola português" em razão da campanha que fez visando mudanças artísticas e sociais. Em 12 de outubro de 1924, Eça morre em St. Cyr-sur-Loire, França, localidade próxima de Paris, aos 55 anos.




REFERÊNCIA:
BUARQUE DE HOLLANDA, Aurélio. LINS, Álvaro. Roteiro Literário de Portugal e do Brasil. Antologia da Língua Portuguesa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Edit. Civilização Brasileira, vols. I e II, 1966.
KOOGAN LAROUSSE. Pequeno Dicionário Enciclopédico. Direção de Antônio Houaiss. Rio de Janeiro: Edit. Larousse do Brasil, 1979.
PATRICK, Julia. Grandes Escritores. Trad. Livia Almeida e Pedro Jorgesen Júnior. Rio de Janeiro: Sextante, 209.