por Pedro Luso de
Carvalho
Depois da publicação de Les Mots (As
Palavras), pela Editions Gallimard, em 1964, ficou menos difícil escrever sobre
o escritor Jean-Paul Sartre, pelo menos no que diz respeito a fatos
biográficos. Nessa obra autobiográfica, Sartre conta como seu pai Jean-Baptiste
conheceu Anne-Marie, como morreu, e como sua mãe enfrentou, aos vinte anos de
idade, essa situação inesperada, e tendo que manter a si própria e ao filho,
este recém-saído de uma enfermidade, sem dinheiro e sem profissão:
“Jean-Baptiste quis ingressar na Escola Naval,
para ver o mar. Em 1904, em Cherbourg, oficial da marinha e já roído pelas
febres da Conchichina, conheceu Anne-Marie Schweitzer, apoderou-se da mocetona
desamparada, desposou-a, fez-lhe um filho a galope, eu, e tentou refugiar-se na
morte. Morrer não é fácil: a febre intestinal subia sem pressa; houve
remissões. Anne-Marie cuidava dele com devotamento, mas sem levar a indecência
a ponto de amá-lo (...) Não chegou a conhecer bem meu pai, nem antes nem depois
do casamento, e por vezes devia perguntar-se por que aquele estranho optara por
morrer entre os seus braços”.
Após a morte de Jean-Baptiste, em 1907,
Anne-Marie vendo que não tinha meio pecuniário para manter-se com o filho
mudou-se para a casa de seu pai, o austero Charles Schweitzer, em Meudon, perto
de Paris. Aí o velho Schweitzer passaria a tratar a filha como a tratava quando
criança, exigindo-lhe irrestrita obediência. Sob a rígida autoridade do pai e
avô o relacionamento entre mãe e filho mais parecia o de irmãos, já que para o
menino a imagem da mãe havia desaparecido. Agora, com o encargo de manter filha
e neto, Charles Schweitzer passaria também a deter toda autoridade sobre eles,
inclusive na educação do menino.
Sobre a morte de seu pai, Sartre revela que “A
morte de Jean-Baptiste foi o grande acontecimento de minha vida: devolveu minha
mãe aos seus grilhões e me deu a liberdade”. E mais esta sentença: “Não há bom
pai, é a regra; que não se faça disso agravo aos homens e sim ao laço de paternidade
que apodreceu. Fazer filhos, não há coisa melhor; tê-los, que iniquidade!
Houvesse vivido, meu pai ter-se-ia deitado sobre mim com todo o seu comprimento
e ter-me-ia esmagado. Por sorte, morreu moço”. Sartre lembra que durante vários
anos via no seu quarto o retrato de um pequeno oficial, seu pai, de olhos
cândidos, com o crânio redondo e pelado, de grandes bigodes, retrato esse que
desapareceu depois que sua mãe casou novamente.
Em Les Mots Jean-Paul Sartre lembraria sua
infância: “Eu era uma criança bem comportada. Consinto gentilmente que me
ponham as meias, que pinguem gotas no nariz, que me escovem e que me lavem, que
me enfeitem e me esfreguem; não sei de coisa mais divertida do que bancar o bem
comportado. Nunca choro, quase não rio, não faço barulho...” O menino passava
horas no escritório do avô, envolvido com leitura de livros infantis e
clássicos da literatura. Mais tarde explicaria que para ele existia unicamente
um mundo imaginário, distante, pois, do mundo real.
Em 1911, a família Schweitzer mudou-se para
Paris. Em 1917, Anne-Marie casou-se com um engenheiro naval que dirigia os
estaleiros La Rochelle; assim o menino deixou Paris para ir morar com a mãe e o
padrasto nessa cidade portuária, até o ano de 1924; nesse ano, aos dezenove anos,
voltou a Paris para cursar a École Normale Supérieure (Escola Normal Superior),
estabelecimento que, além de formar professores secundários, propiciava
encontros para discussão filosófica e política. E, foi num desses encontros
para debates, que Sartre conheceu Simone de Beauvoir, com quem se identificou
já no primeiro encontro, e disse-lhe: “A partir de agora eu tomo conta de
você”. Essa ligação com Simone de Beauvoir, distinta do casamento burguês,
seria para a vida inteira.
Nesses encontros, as palestras cingiam-se aos
problemas que se relacionavam ao papel do homem e de suas ideias na história,
ou da interação da sociedade com o homem, que afligiam e ao mesmo tempo animava
a geração do pós-guerra – com os reflexos do primeiro conflito mundial (1914-1918),
que gerou na juventude perguntas como: até que ponto o homem pode agir sobre a
realidade e influenciar, com o seu pensamento, a marcha da história? Em que
medida a realidade segue um caminho independente, esquivando-se ao controle dos
indivíduos?
Para acessar a segunda parte deste trabalho, clicar me JEAN-PAUL SARTRE - Parte II
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REFERÊNCIAS:
SARTRE, Jean-Paul. As Palavras. Tradução de J. Guinsburg. 6ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
CRANSTON, Maurice. Sartre. Tradução de Octavio Alves Velho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.
THODY, Philip. Sartre. Tradução de Paulo Perdigão e Amena Mayall. Rio de Janeiro: Editora Bloch, 1974.
MAUROIS. André. de Gide a Sartre. Tradução de Maria Clara Mariani Lacerda e Fernando Py. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 197?
SARTRE, Jean-Paul. As Palavras. Tradução de J. Guinsburg. 6ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
CRANSTON, Maurice. Sartre. Tradução de Octavio Alves Velho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.
THODY, Philip. Sartre. Tradução de Paulo Perdigão e Amena Mayall. Rio de Janeiro: Editora Bloch, 1974.
MAUROIS. André. de Gide a Sartre. Tradução de Maria Clara Mariani Lacerda e Fernando Py. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 197?
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