30 de mai. de 2012

[Crônica] ANTÔNIO MARIA - O Mar




              por  Pedro Luso de Carvalho

     
        ANTÔNIO MARIA (Antônio Maria Araújo de Morais) nasceu em Recife a 17 de março de 1921. Maria, como era chamado, deu alce à crônica brasileira, juntamente com Rubem Braga. Ambos, são ainda hoje considerados mestres da crônica. Escreveu crônicas diárias para O Jornal, O Globo, e Última Hora.

        Convidado por Assis Chateaubriand, dono da TV Tupi, que foi inaugurada em 1951, Antônio Maria assumiu o cargo de diretor de produção da emissora. No ano seguinte mudou-se para a rádio Mayrink e daí para a TV Rio, onde, entre outras coisas, apresentou um programa com Ary Barroso durante o ano de 1957.

       Na música, foi compositor, e teve como parceiros Geraldo Mendonça, Maestro Aldo Taranto, Fernando Lobo (pai de Edu Lobo). Antônio Maria também foi parceiro de Luiz Bonfá - escreveu a letra de Manhã de Carnaval, uma das músicas mais executadas no exterior, e que seria um dos temas musicais do filme franco-ítalo-brasileiro, Orfeu Negro, ganhador da Palma de Ouro em Cannes e do Oscar de melhor filme estrangeiro. 

             Antônio Maria morreu muito cedo, aos 43 anos. Fez muitos amigos: Di Cavalcanti, Dorival Caymmi, Jorge Amado, Vinícius de Moraes, Carlos Heitor Cony, Aracy de Almeida, Luiz Bonfá, dentre tantos outros. Sua obra continua bem viva. 
     
          Passemos  à crônica “O mar”, de Antônio Maria,  escrita em 18 de novembro de 1961 (In Crônicas de Antônio Maria. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 52-53):


                                             [ESPAÇO DA CRÔNICA]

                                                                  O  MAR 
                                                                   (Antônio Maria)



        Banho de mar no recife era “banho salgado”, e só se tomava com ordem médica, das cinco às sete da manhã. Antes do sol.

        As roupas de banho das mulheres começavam numa touca, seguindo-se um casaco-sunga escuro (com aplicações róseas ou azuis) até os joelhos e sapatos de borracha.

        Não devia confessar, mas sou do tempo do “banho salgado”. Acordávamos com a noite fechada, entrávamos em nossas roupas de banho e partíamos. De carro, para a Boa Viagem. Em jejum. Ai de quem tomasse café e caísse no mar. Contavam-se casos de pessoas que envesgaram ou ficaram com a boca torta. Tinha que ser em jejum como o da comunhão. Nem água.

        A família só descia do automóvel  depois que o chofer, pessoa de confiança, fizesse um reconhecimento da área e garantisse  que não havia ninguém (homem) ali por perto.

        Na praia, a pessoa mais velha mandava  que todos fizesse o “pelo sinal” e tirava uma ave-maria, a que todos respondiam, encomendando a alma a Deus, no caso de afogamento ou congestão.

         – Botaram algodão nos ouvidos? 

         – Botamos.

           Davam-se as mãos, moços e crianças, entravam no mar, até a cintura.

         – Um, dois três ... e já!

         E mergulhavam agoniados, de mãos dadas, olhos, ouvidos, boca e nariz tapados. 

        Essas minhas lembranças vêm de 1928. Apenas 33 anos.  Mas o mar era umanovidade. Um desconhecido. Fazia-se cerimônia com ele.  Tinha-se medo dele.  Mar de 1928 era ainda o mar de Castro Alves. Soleníssimo: “Stamos em pleno mar!” Fazia medo. O mar de hoje é o de Caymmi. Abrandou. Tornou-se íntimo. Ninguém respeita.

            É doce  morrer no mar
            Nas ondas verdes do mar...

        Daquele mar do Recife, ficou uma lembrança: o cheiro dos sargaços. A quem os teve, sargaços na infância, por mais que ande, por mais feliz que esteja, faltará alguma coisa.



                                                                                                                 18/11/1961


                                                                        *  *  *