MACHADO DE ASSIS (Joaquim Maria Machado de
Assis) tem um lugar especial na literatura brasileira, como diz Álvaro Lins; e
mais: “Atingiu no conto a perfeição de forma e de concepção”.
Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro, em
21 de junho de 1839, onde faleceu, no dia 29 de setembro de 1908. Seu
sepultamento deu-se no Cemitério São João Batista, com grandes homenagens,
oficial e pública.
O discurso de Machado de
Assis lido no Passeio Público, ao inaugurar-se o busto de Gonçalves Dias (in Relíquias de casa velha/ Machado de
Assis – São Paulo – Globo, 1997, p. 117-118), é transcrito abaixo:
[ESPAÇO DO DISCURSO]
GONÇALVES DIAS
Sr. Prefeito
do Distrito Federal.
A comissão
que tomou a si erguer este monumento, incumbiu-me, como presidente da Academia
Brasileira, de o entregar a Ex.ª, como
representante da cidade. O encargo é não somente honroso, mas particularmente
agradável à Academia e a mim.
Se eu
houvesse de dizer tudo o que este busto exprime para nós, faria um discurso, e
é justamente o que os autores da homenagem não devem querer neste momento.
Conta Renan que, uma hora antes dos funerais de George Sand, quando alguns
cogitavam no que convinha proferir à beira da sepultura, ouve-se no parque da
defunta cantar um rouxinol. “Ah! Eis o verdadeiro discurso!” disseram eles
consigo. O mesmo seria aqui, se cantasse um sabiá. A ave do nosso grande poeta
seria o melhor discurso da ocasião. Ela repetiria à alma de todos aquela canção
do exílio que ensinou aos ouvidos da antiga mãe-pátria uma lição nova da língua
de Camões. Não importa! A canção está em todos nós, com os outros cantos que
ele veio espalhando pela vida e pelo mundo, e o som dos golpes de Itajuba, a
piedade de I-Juca-Pirama, os suspiros de Coema, tudo o que os mais velhos
ouviram na mocidade, depois os mais jovens, e daqui em diante ouvirão outros e
outros, enquanto a língua que falamos for a língua dos nossos destinos.
Dizem que os
cariocas somos pouco dados aos jardins públicos. Talvez este busto emende o
costume; mas supondo que não, nem por isso perderão os que só vierem contemplar
aquela fonte que meditou páginas tão magníficas. A solidão e o silêncio são
asas robustas para os surtos do espírito. Quem vier a este canto do jardim,
entre o mar e a rua, achará que se encontra nas capelas solitárias, uma voz interior,
e dirá pelo rosário da memória as preces em verso que ele compôs e ensinou aos
seus compatrícios.
E desde já
ficam as duas obras juntas. Uma responde pela outra. Nem V. Ex.ª, nem os seu
sucessores consentirão que se destrua
este abrigo de folhas verdes, ou se arranque daqui este monumento de
arte. Se alguém propuser arrasar um e mudar outro, para trazer utilidade ao
terreno, por meio de uma avenida, ou cousa equivalente, o Prefeito recusará a
concessão, dizendo que este jardim, conservado por vários regímens, está agora
consagrado pela poesia, que é um regímen só, universal, comum e perpétuo.
Também pode declarar que a veneração dos seus grandes homens é uma virtude das
cidades. E isto farão os prefeitos de todos os partidos, sem agravo do seu
próprio, porque o poeta que ora celebramos, fiel à vocação, não teve outro
partido que o de cantar
maravilhosamente.
Demais, se o
caso for de utilidade, V. Ex.ª e seus sucessores acharão aqui o mais útil
remédio às agruras administrativas. Este busto consolará do trabalho acerbo e
ingrato; ele dirá que há também uma prefeitura do espírito, cujo exercício não
pode mais que o mudo bronze e a capacidade de ser ouvido no seu eterno
silêncio. E repetirá a todos o nome de V. Ex.ª, que o recebeu e dos outros que
porventura virem contemplá-lo. Também aqui vinha há muitos anos, desenfadar-se
da véspera, sem outro encargo nem magistratura, que os seus livros, o autor de Iracema. Se já estivesse aqui este
busto, ele se consolaria da vida com a memória, e do tempo com a perenidade.
Mas então só existiam as árvores. Bernadelli, que tinha de fundir o bronze de
ambos, não povoara ainda nossas praças com outras obras de artista ilustre.
Olavo Bilac, que promoveu a subscrição de senhoras a que se deve esta obra, não
afinara ainda pela lira de Gonçalves Dias a sua lira deliciosa.
Aqui fica
entregue o monumento a V. Ex.ª, Sr. Prefeito. Aqui onde ele deve estar, como
outro exemplo da nossa unidade, ligando a pátria inteira no mesmo ponto em que
a história, melhor que leis, pôs a cabeça da nação perto daquele gigante de
pedras que o grande poeta cantou em versos másculos.
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