6 de jul. de 2013

[Conto] CYRO MARTINS – Flete




-  PEDRO LUSO DE CARVALHO 


CYRO MARTINS (Cyro dos Santos Martins) nasceu em Quaraí a 05 de agosto de 1908, e faleceu a 15 de dezembro de 1995, em Porto Alegre. Em 1933, formou-se em medicina. Escolheu como especialidade médica a psiquiatria e a psicanálise. Um ano após a sua formatura, passou a dividir a medicina com a literatura. 

Em 1934 estreou na literatura com o livro de contos "Campo Fora", com a temática gauchesca. Na 5ª edição dessa obra, publicada em 1991 pela Editora Movimento, coube ao culto ensaísta Guilhermino Cesar fazer sua apresentação, da qual extraímos o trecho que segue:

 "Cyro Martins, em sua estreia em 1934, com os contos regionais de Campo fora, trouxe ao gênero uma perspectiva social que todos os críticos têm valorizado; e sob este ângulo é que, no futuro, será ainda lembrado, quando todas as modas de hoje estiverem esquecidas. Mas a meu ver, há nele um traço que o singulariza entre seus companheiros, tão importante, afinal, como sua temática: o modo de narrar”.

Principais obras de Cyro Martins: (contos) Campo fora, 1934; A entrevista, 1968; Rodeio, 1976; A dama do saladeiro, 1980; (novelas) Um menino vai para o colégio, 1942; Um sorriso para o destino; (romances) Sem rumo; 1937; Enquanto as águas correm, 1939; Porteira fechada, 1944; Estrada nova, 1954; Sombras na correnteza, 1979; O príncipe da vila, 1982; Gaúchos no obelisco, 1984; Na curva do arco-íris, 1985; O professor, 1988.

Segue Flete, o conto de Cyro Martins (in Martins, Cyro. Campo fora. 5ª ed. Porto Alegre: Editora Movimento, 1991, p. 46-47):


[ESPAÇO DO CONTO]


FLETE
[ CYRO MARTINS ]



Assoleado, esmorecido, o cavalo balançava rastejante batendo forte o coração. As narinas vermelhas, arregaçadas, resfolegavam num ritmo apressado de estafa. Pescoço espichado, olhos tristes, orelhas murchas, e o suor caindo em gotas grandes pelas mãos e as patas.

Os aperos molhados e moles como se houvessem ficado ao sereno.

O homem, sentido da campereada puxada e brava, movia-se lerdo, tratando com mimo o flete bueno.

Alta manhã de outubro, impulso de seiva nos pastos, nas ervas e nas árvores, brotando no ardor violento das fecundidades verdes. Horizontes limpos, circunferenciais, rasgados em luz. Serenidade pastoral nas distâncias abertas. Mansidão de rebanhos domados. E umbus, vetustos e gigantes, dominadores nos horizontes pacíficos do pampa, graves soberanos vegetais, avultando na claridade opulenta, como grandes realizações de sonhadores.

Solto, o anima rebolcou-se rudemente na grama miúda, unimesmando-se com o chão acolhedor.

O gaúcho, da porta larga do galpão, acariciando a cabecita inquieta do guri das suas esperanças campeiras, via de alma grande aquele amplexo profundo, singular, de primitiva franqueza.

Uma mão charrua, tostada de sol, hábil apesar da aspereza da lida, alcançou-lhe a cuia, bruna como a mão.

E os olhos do homem valente, afeitos à visão das rasuras dilatadas, descansaram devagar no sossego das pupilas plácidas da mulher.

– O nosso filho...

E parou, vendo o cavalo que se distanciava.

Ela compreendeu o drama. E chorou de amor.

– Ia já a tiro de laço da divisa do fundo, grudado nas crinas do petiço que rebentara a cabeçada, misturado numa manada de eguada xucra. Se não fosse o meu cavalo...



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