Por Pedro Luso de Carvalho
LUIS FERNADO VERÍSSIMO nasceu
a 26 de setembro de 1936, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Seus estudos foram
iniciados na sua cidade natal e depois, quando sua família mudou-se para os
Estados Unidos, foram retomados no Theodore Roosevelt High School, em
Washington. Como entende que nenhum proveito tirou desses estudos, Verissimo
afirma sempre ser um autodidata.
Pelo valor incontestável
de sua criação, vê-se que Luis Fernando Verissimo, um dos escritores mais
importantes de nosso país, não teve contra si o peso da fama de seu pai, Erico
Verissimo, autor da monumental trilogia O
Tempo e o Vento, entre outros romances que igualmente enriquecem a
Literatura Nacional.
Nas suas crônicas, Verissimo
explora a sátira com maestria. O mesmo ocorre com o amor e desamor, e com a
crítica sócio-política, através da qual mostra as distorções próprias dos países
que convivem com a injustiça social, em cujos textos o humor faz-se presente, em
que pese possa esse mestre da crônica mostrar-se cético.
Segue a crônica A mulher do Silva, de Luis Fernando
Veríssimo (In As noivas do Grajaú/Luis Fernando Verissimo. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1999, p. 27-29):
[ESPAÇO DA CRÔNICA]
A MULHER DO SILVA
(Luis Fernando Verissimo)
Foi um escândalo quando a
frente da casa do Souza apareceu pintada, certa manhã, com uma frase sucinta
sobre a, digamos assim, conduta moral da mulher do Silva, que moram em frente.
O Silva, indignado, foi perguntar ao Souza:
– Quem foi?
– Não sei
– Como, não sabe? A casa
é sua.
– Não posso ficar na
calçada cuidando pra não pintarem a fachada. Posso?
Não podia. Mas aquilo não
ia ficar assim. Pior era que a frase nem citava a mulher do Silva pelo nome.
Ela era identificada como “a mulher do Silva”. E, para que não ficassem
dúvidas: “... da frente”.
– Apaga – pediu Silva.
– Como?
– Com tinta branca. Pinta por cima.
– Mas a minha casa é
amarela.
– Pinta de amarelo.
– Só uma faixa amarela?
Vai ficar horrível.
– Então pinta a casa
toda.
– E cadê o dinheiro?
– Eu exijo que você pinte
a casa toda.
– Só se você me der o
dinheiro.
– A casa é sua.
– Mas a mulher é sua.
Silva concordou. Pagou
uma pintura completa da casa do Souza. Só reagiu quando o Souza sugeriu que ele
pagasse também uma pintura interna, que estava precisando. O Silva pediu que o
Souza não contasse para ninguém. Mas a notícia se espalhou pela vizinhança. E,
não demorou muito, a casa do Moreira, que estava com tinta descascando,
apareceu com uma frase na frente sobre certos supostos hábitos da mulher do
Silva. O Silva foi lá.
– Quem foi?
– Sei lá. Moleques.
– Apaga.
– Não sai.
– Pinta por cima…
– Só pintando a casa
toda...
Quando saiu da casa do
Moreira, depois de ter concordado em financiar uma pintura completa, o Silva
viu que na frente da casa do Santos, ao lado, estava escrito:
“Dou fé.” Já entrou
direto na casa do Santos para combinar o preço.
O quarteirão até ficou
bonito, como as casas pintadas de novo. Algumas casas, é claro, ainda têm a
pintura antiga. E todas as manhãs o Silva as examina, prevendo o pior. Se bem
que, segundo alguns, ele também devia vigiar a sua mulher.
* * *