23 de jan. de 2013

[Conto] CARLOS CARVALHO - Missa do Galo



 por  Pedro Luso de Carvalho


CARLOS CARVALHO (1939 - 1985), poeta, contista e dramaturgo gaúcho, natural de Porto Alegre, legou-nos entre outras obras, Calendário do medo, um livro de contos da melhor qualidade, com o qual o autor foi premiado no Concurso Naional de Contos do Estado do Paraná - FUNDEPAR.

Segue o conto de Carlos Carvalho intitulado Missa do galo (In Carlos Carvalho/ Calendário do medo. 3ª ed. Porto Alegre: Editora Movimento, 1975, p. 45-46):


     [ESPAÇO DO CONTO]                                               
                         

      MISSA DO GALO
       (Carlos Carvalho)

                                                                                                       

Com a navalha no bolso, esperou a mulher na porta da igreja. Quando ela apareceu, foi se chegando, pegou no braço dela e disse:

– Quero falar contigo, Maria.

Ela não respondeu, Puxou o braço e foi caminhando. Ele insistiu:

– Volta, Maria.

Ela parou no primeiro degrau. Olhou-o, antes de responder, e ele sentiu vergonha da roupa amassada, da gravata puída, da barba de dias.

– Não adianta, Justino, já disse.

– Não gostas de mim?

– Gosto.

– Então volta, Maria.

– Não adianta, Justino, não adianta.

Continuou a caminhar. Ele seguiu:

– Pensa nas crianças.

– Já pensei.

– Pensa em mim.

– É só o que faço.

Então volta, Maria. Juro que vai ser diferente. Prometo que não boto bebida na boca, largo tudo, juro.

– Das outras vezes foi a mesma coisa.

– Agora é diferente. Tenho até promessa de emprego, coisa firme, segura. Dá um bom dinheiro. A gente aluga uma casinha...

– Não adianta.

Ele tremia, as lágrimas enchendo os olhos:

– Hoje é Natal, Maria, não tens pena de mim?

– Tenho, muita.

Procurou o lenço no bolso e encontrou o cabo frio da navalha.

– Então volta, Maria. Ou acabo fazendo uma besteira.

Ela apressou o passo. Tentou alcançá-la, a mão suada apertando o cabo da navalha.

– Não me obriga a fazer uma desgraça.

Sem diminuir o passo, ela olhou a navalha agora aberta na mão dele.

– Adeus, Justino.

E sumiu na esquina.

Ele se apoiou num muro e chorou muito. Depois, entrou num bar e se embebedou. Antes que o galo cantasse pela terceira vez, negociou a navalha para pagar a bebida.



*  *  *