por
Pedro Luso de Carvalho
CARLOS CARVALHO (1939 -
1985), poeta, contista e dramaturgo gaúcho, natural de Porto Alegre, legou-nos
entre outras obras, Calendário do medo, um livro de contos da melhor
qualidade, com o qual o autor foi premiado no Concurso Naional de Contos do
Estado do Paraná - FUNDEPAR.
Segue o conto de Carlos
Carvalho intitulado Missa do galo (In Carlos Carvalho/ Calendário
do medo. 3ª ed. Porto Alegre: Editora Movimento, 1975, p. 45-46):
[ESPAÇO
DO CONTO]
MISSA
DO GALO
(Carlos
Carvalho)
Com a navalha no bolso,
esperou a mulher na porta da igreja. Quando ela apareceu, foi se chegando,
pegou no braço dela e disse:
– Quero falar contigo,
Maria.
Ela não respondeu, Puxou
o braço e foi caminhando. Ele insistiu:
– Volta, Maria.
Ela parou no primeiro
degrau. Olhou-o, antes de responder, e ele sentiu vergonha da roupa amassada,
da gravata puída, da barba de dias.
– Não adianta, Justino,
já disse.
– Não gostas de mim?
– Gosto.
– Então volta, Maria.
– Não adianta, Justino,
não adianta.
Continuou a caminhar. Ele
seguiu:
– Pensa nas crianças.
– Já pensei.
– Pensa em mim.
– É só o que faço.
Então volta, Maria. Juro
que vai ser diferente. Prometo que não boto bebida na boca, largo tudo, juro.
– Das outras vezes foi a
mesma coisa.
– Agora é diferente.
Tenho até promessa de emprego, coisa firme, segura. Dá um bom dinheiro. A gente
aluga uma casinha...
– Não adianta.
Ele tremia, as lágrimas
enchendo os olhos:
– Hoje é Natal, Maria,
não tens pena de mim?
– Tenho, muita.
Procurou o lenço no bolso
e encontrou o cabo frio da navalha.
– Então volta, Maria. Ou
acabo fazendo uma besteira.
Ela apressou o passo.
Tentou alcançá-la, a mão suada apertando o cabo da navalha.
– Não me obriga a fazer
uma desgraça.
Sem diminuir o passo, ela
olhou a navalha agora aberta na mão dele.
– Adeus, Justino.
E sumiu na esquina.
Ele se apoiou num muro e
chorou muito. Depois, entrou num bar e se embebedou. Antes que o galo cantasse
pela terceira vez, negociou a navalha para pagar a bebida.
* * *