23 de abr. de 2012

[Carta] RUI BARBOSA / Pinheiro Machado



              por Pedro Luso de Carvalho


       O talento da oratória e a disposição para a luta sem tréguas em pról da justiça social constituiam-se em alguns dos traços da forte personalidade de Rui Barbosa, qualidades essas que não poderia levá-lo para outro caminho que não o da política, na qual ingressa pelo Partido Liberal, que consagra seu nome como deputado provincial, na Bahia, sua terra natal, no ano de 1878.

      Em dezembro de 1881, com a mulher e as três filhas, o deputado geral Rui Barbosa, reeleito, deixa a Bahia com destino ao Rio de Janeiro, em busca de melhores oportunidades para poder melhor explorar sua inteligência e talento, sua cultura e sua inclinação para as lutas sociais. 

        Como o fim a que nos propomos é apresentar a carta de Rui para Pinheiro Machado, damos um salto no tempo para a data em que se realizou a campanha política e a eleição para a presidência da República, em 1910, tendo por contendores Rui Barbosa e Hermes da Fonseca, à vista do término do mandato do presidente de Afonso Pena.

        Nessa época era Pinheiro Machado o homem mais forte da política brasileira; por cerca de quinze anos anos esse político gaúcho (vice-presidente do Senado) foi o nome mais importante da política brasileira. E foi justamente ele que arquitetou a vitória fraudulenta da eleição de Hermes da Fonseca, com manipulação dos resultados, dando como vencedor o seu candidato em detrimento de Rui, que, como mais tarde demonstrou à Nação, foi quem legitimamente foi eleito presidente da República, sem, no entanto, ter assumido ao cargo.

        Anos mais tarde, depois do desastre que foi o governo de Hermes da Fonseca, o nome de Rui Barbosa foi lançado novamente para concorrer à presidencia da República, desta vez sem o seu consentimento, fato que o revoltou e o fez sobre ele manifestar-se por carta endereçada ao todo-poderoso Pinheiro Machado.  
Pinheiro Machado

        Segue a “Carta de Rui Barbosa a Pinheiro Machado” (in Roteiro Literário de Portugal e do Brasil, 2ª ed., Álvaro Lins e Aurélio Buarque de Hollanda, Rio de Janeiro, 1966, vol. II, p. 206-207, in verbis


                                    [ESPAÇO DA CARTA]


                                   CARTA A PINHEIRO MACHADO 
                                                                  (Rui Barbosa)


         Exmo. amigo Sr. Senador Pinheiro Machado.

        No conflito de interesse e personalidades, que, em torno da eleição presidencial, tão cedo começa, e de um modo tão desusado, vejo envolvido o meu nome, como um dos pretendentes. Há nisto um equívoco, a que me empenho em pôr têrmo, peremptoriamente.

        Não sou candidato à presidência da República, nem consinto que mo façam. Se amigos meus há, que tenham o pensamento de semelhante iniciativa, em nome da amizade e seus direitos, eu lha desaprovo e lha proíbo. Não quero complicá-los em dificuldades inúteis, nem concorrer para maior abatimento de nossa terra com a agravação com o espetáculo desta contenda estéril, a que a nação assiste estranha e indiferente, pelo posto da nossa magistratura suprema.

        Considero o país na iminência de dias bem sombrios. Alguma coisa extremamente grave de nós se aproxima, que a cegueira geral não enxerga. Reputo insustentável a situação de anarquia, financeira, política e moral, em que nos debatemos. Daí o que vai sair, não sei; mas não há de ser o que os descuidados supõem.

         Em circunstâncias tais, só inconscientes ou predestinados poderão nutrir ambições. Eu nunca as tive: muito menos as teria agora.

        Candidato à presidência da República, só me animaria a sê-lo, se um movimento da opinião pública mo impusesse. Tal honra, porém, nunca imaginei merecer. A outra, a da candidatura oficial, repugna às minhas convicções e aos meus compromissos. Com os do meu longo passado de luta pela verdade constitucional, com o terrível sentimento da responsabilidade, que, no meu espírito, se associa a todas as missões de ordem superior, na vida pública, e com a intuição do nosso futuro iminente, um homem do meu temperamento e da minha educação política só a uma coisa pode pretender, neste momento e nestas condições: à liberdade, a que vou tornar, de servir ao nosso país como costumava, com toda a minha consciência, independentemente, segundo as exigências de cada oportunidade.

         Escrevo-lhe estas linhas refletida e serenamente, com a satisfação de quem se desobriga de um dever dos mais gratos, e com o mais decidido empenho de que nelas se respeite a minha resolução definitiva, à qual buscarei dar publicidade, para que o pleito entre os elementos interessados siga doravante sem estorvo na hipótese importuna de meu nome.

        Creio que este incidente, meu caro amigo, acabará de lhe mostrar que, na vida pública, não palpita senão pela nossa pátria o coração do seu sincero e obrigado amigo – 

                                                                                               RUI BARBOSA

                                                                                               (Cartas Políticas e Literárias, 
                                                                                                                                                Bahia, 1919, págs. 133-135.)


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REFERÊNCIAS:
AMARAL, Márcio Tavares. Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Editora Três, 1974.
LINS, Álvaro e BUARQUE DE HOLLANDA, Aurélio; Roteiro Literário de Portugal e do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1966, vol. II, p. 206-207. 


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