A Academia Sueca atribuiu nesta quinta-feira o
Prêmio Nobel da Literatura ao escritor chinês Mo Yan.
Um dos mais celebrados
escritores no seu país, embora não isento de polêmica, Mo Yan faz habitar a sua
obra de um humanismo compassivo, habitualmente centrado na ruralidade da
localidade em que nasceu a 5 de Março de 1955, Gaomi, na província de Shandong.
O escritor, que lançou o seu primeiro romance, Falling Rain On a Spring Night, em 1981, mereceu a mais nobre
distinção do mundo da literatura por ser, segundo comunicado pelo comité do
Nobel, um autor "cujo realismo alucinatório funde contos tradicionais, História
e contemporaneidade". A sua escrita, como é, aliás, reconhecido pelo
próprio, é grandemente influenciada por William Faulkner, Gabriel Garcia
Marquez.
A adaptação ao cinema de Milho Vermelho, em 1987, por Zhang Yimou
e com a estrela Gong Li, filme determinante da chamada "Quinta
Geração" que marcou uma nova era no cinema chinês, cimentou o seu estatuto
na China e chamou a atenção do mundo. Traduções dos seus livros no Japão,
França, Itália, Estados Unidos e Inglaterra cimentaram o seu estatuto internacional.
Em Portugal, Mo Yan tem apenas um livro traduzido, Peito Grande, Ancas Largas, editado em 2007 pela Ulisseia.
Publicada originalmente em 1995, a obra causou grande controvérsia na China
devido ao teor sexual da história. Mo Yan foi obrigado a escrever uma
autocrítica ao seu próprio livro, e, mais tarde, a retirá-lo de circulação.
Esse episódio, aliado, por exemplo, à participação na cópia manuscrita de um
discurso de Mao Zedong, em que este definia os parâmetros a seguir na arte e
literatura chinesas, levou-o a ser considerado pelos opositores ao regime
chinês como um autor alinhado, não independente. O pseudónimo Mo Yan, escolhido
pelo homem nascido Guo Moye, significa em chinês "não fales". Dessa
forma, ele que se diz sempre franco no seu discurso, lembrar-se-á
constantemente de que não deve falar demasiado. Há outra leitura para o
pseudónima, esta literária. Para Mo Yan, "um escritor deve enterrar os
seus pensamentos e transmiti-los através dos personagens dos seus
romances".
Em 2009, numa conferência
na Feira do Livro de Frankfurt, respondeu às acusações de falta de
independência perante o poder. "Um escritor deve exprimir crítica e
indignação perante o lado negro da sociedade e a fealdade da natureza humana,
mas não devemos recorrer a formas de expressão uniformes. Alguns poderão querer
gritar nas ruas, mas devemos tolerar aqueles que se escondem nos seus quartos e
usam a literatura para transmitir as suas opiniões".
Mo Yan abandonou os
estudos muito jovem devido à turbulência causada pela Revolução Cultural e trabalhou numa quinta antes de, em 1973, se
empregar como operário fabril. Alistou-se no Exército de Libertação do Povo Chinês (ELPC) três anos depois,
iniciou-se na publicação em 1981 e, mais tarde, entre 1984 e 1986, estudou
literatura na Academia das Artes do
ELPC. Vencedor o ano passado do mais importante prémio literário chinês, o Mao
Dun, Mo Yan é também vice-presidente da Associação de Escritores da China.
Entre a sua obra, onde se
incluem dezenas de contos, destacam-se romances como The Garlic Ballads, The
Republic of Wine, ou o supracitado Peito
Grande, Ancas Largas. Segundo a Wikipedia, o seu penúltimo livro, Life And Death Are Wearing Me Out, foi
escrito em apenas 43 dias, inscrevendo os mais de 500 mil caracteres do manuscrito
original em papel chinês tradicional e usando apenas tinta e pincel. O último,
Frog, incide sobre os abortos forçados que resultam da política estatal de
controlo de natalidade ("um casal, um filho").
Este é o quarto prêmio
atribuído pela Academia Sueca em 2012 depois do Nobel da Medicina (John Gurdon
e Shinya Yamanaka), da Física (Serge Haroche e David Wineland) e da Química
(Robert Lefkowitz e Brian Kobilka). Na sexta-feira será atribuído o Prémio
Nobel da Paz.
No ano passado, o Nobel da Literatura foi entregue ao
poeta sueco Tomas Tranströmer, cuja obra só foi editada este ano em Portugal.
Esta manhã, na sala de
imprensa da Feira do Livro de Frankfurt, quando faltavam três minutos para a
apresentação do prêmio os jornalistas foram-se aproximando com cadernos, iPads
e notebook na mão. Dois minutos. Zero. Quando foi dito o nome do escritor
chinês Mo Yan não houve nenhuma agitação. Ouviu-se mais barulho dos jornalistas
que estavam em Estocolmo a assistir ao anúncio do prêmio. Não tardou a que os
jornalistas dispersassem e regressassem à feira. É verdade, porém, que na sala
de imprensa não se encontrava nenhum jornalista chinês e por isso não aconteceu
o mesmo que em 2010 quando foi anunciado o nome de Mario Vargas Llosa e os
hispano-americanos fizeram a festa.
Mo Yan entra agora no
restrito grupo de 109 autores que receberam o Nobel da Literatura desde 1901.
Desses 109, 12 são mulheres e dois recusaram o prêmio: Boris Pasternak (1958)
rejeitou “por causa do significado que este prêmio tem para a sociedade
soviética” (a medalha acabou por ser entregue ao filho, Yevgenii Borisovich
Pasternak, em Dezembro de 1989, quase três décadas após a morte do escritor); e
Jean Paul Sartre (1964), que declinou porque sempre rejeitou honrarias, e, além
disso, achava que a distribuição dos prêmios não respeitava a igualdade entre
culturas e povos.
Apesar de haver 109
premiados, o prêmio só foi atribuído 105 vezes, porque em quatro ocasiões houve
dois distinguidos. Em 1904 ganharam Frédéric Mistral e José Echegaray, em 1917
venceram Karl Gjellerup e Henrik Pontoppidan, em 1966 o Nobel foi para Shmuel
Agnon e Nelly Sachs e em 1974 foram premiados Eyvind Johnson e Harry Martinson.
A esta lista de
curiosidades pode-se acrescentar as sete ocasiões em que não houve Nobel da
Literatura: 1914, 1918, 1935, 1940, 1941, 1942 e 1943. Razões? As guerras
mundiais e, sobretudo o fato de a Academia ter considerado que ninguém
preenchia o desígnio do Nobel da Literatura, que visa premiar “a pessoa que
tenha produzido no campo da literatura o trabalho mais extraordinário numa direção
ideal”.
Os Prêmios Nobel,
atribuídos em diferentes categorias, são um legado de Alfred Nobel, que deixou
escrito em testamento, em 1895, que parte significativa da sua fortuna seria
destinada aos prémios, sendo uma das categorias a Literatura.
Fonte: - PÚBLICO. PT – ípsilon - 11.10.2012
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